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“Na hora de abrir as pernas não foi ruim”

Do sonho ao pesadelo, relatos de violência obstétrica revelam os impactos sofridos por mães na hora do parto

O sonho da vida de Maria estava prestes a se tornar realidade naquela manhã de calor. Achava-se uma mulher forte e por isso considerava o parto normal única regra para trazer ao mundo a filha que carregava no ventre. Os últimos nove meses haviam sido tranquilos e dos casos de enjoos que acometem as grávidas só ouvira falar. Mas no dia em que acreditava que viveria o sonho, teve um pesadelo. Todas as dores que não sentira na gestação vieram em questões de horas. Não pela criança ao ventre. Mas pela violência obstétrica.

Ela não se chama Maria. Foi assim batizada pela reportagem, porque disse ainda ter medo do hospital onde dera a luz. Um trauma que ainda trabalha com idas à terapia, mas que se vai quando vê ou mostra uma fotografia da filha que gerou. Ela conta sua história por telefone. Chora. Embarga a voz. E diz que se é para ajudar outros, na intenção de alertar sobre o que é a violência obstétrica e o mal que ela pode causar, prossegue nas lembranças.

O líquido começou a vazar ainda na madrugada. A princípio, Maria hesitou, tomou um banho e acreditou que não fosse a bolsa. Às 3h, mais um banho precisou ser tomado e às 5h decidiu enfática: “Vou para o hospital”.

Maria não queria ir sem ter certeza, mas diante da quantidade de líquido que expelia sentia que chegara a hora chave, mas foi surpreendida por ter apenas um dedo de dilatação. Ainda era preciso esperar. Nos seus planos, a criança nasceria de parto normal. As dores seriam as comuns do parto, e em poucas horas estaria com a filha nos braços. Porém como uma história em que seu corpo e o tratamento lhe quitaram a autonomia, precisou esperar.

No leito de hospital, separada apenas por um biombo de outra mulher que tivera a infelicidade de perder a criança no parto, conta, chorava, até gritava. Recebera na veia um soro para que lhe fosse facilitada a dilatação, e isso lhe causara dores quase insuportáveis.  “Aí mandaram eu me calar porque estava ‘atrapalhando o procedimento’. Sabe, eu achava que eu era o problema!”, recorda-se do que ouviu e do que sentiu.

O relato de Maria vai além. “Já saía muito sangue de mim, que jorrava no meu pé. E eu gritava de dor, mas a enfermeira dizia: ‘Pare, Maria! Daqui uns dois anos tu ta aqui de novo. Engraçado que na hora de abrir as pernas não foi ruim’ E davam risada. Na hora eu não parei pra analisar tudo isso. Tem mãe que chega e faz. Mas eu não tinha dilatação. Eu queria parto normal, mas não aguentava.”

O que ela sentia era que o corpo forçava-se a fazer algo que não conseguia. Um movimento contrário à sua capacidade, induzido por meio do soro e amortecido pelas vozes que a mandavam calar-se, a respirar mais, pois se não fizesse isso “o filho iria morrer”.

Tive que lutar
“O que vivia ali parecia uma prova de resistência. Um Big Brother, onde quem resistir, ganha a vida, e quem não resistir, fica lá. E eu nunca fui tão regrada na minha vida, como recebendo aquelas ordens. Tive que lutar para ter minha filha”, relembra.

Seu pai, conta, também interviu ao não aguentar mais ouvir os berros da filha que tinha seu momento mágico indo por água abaixo. Ao ele se aproximar, Maria diz que uma enfermeira a abraçou forte. Mas não em acalento. Para a mãe, era um abraço de quem queria que ela morresse, por não se calar. “E ela também falou ao meu pai: Eu tive dois e não morri. E minhas forças se acabavam com isso”.

Maria disse que perdeu a noção do tempo em que as coisas aconteciam, e por isso lembrar horários se torna um desafio. Nos seus cálculos, chegara ao hospital 9h, quando recebera o soro, e por volta das 18h30, ainda estava deitada na mesma maca, dolorida, sendo xingada, e sem a criança nascer.

Uma médica, diz, lhe fez exames de toque, sem avisar que o faria, o que lhe causava dor e desconforto. Em um deles foi constatado nove dedos de dilatação, com mais um, a filha de Maria poderia nascer. Mas, segundo Maria diz, a médica falou que havia um pouco de “coroa” na região interna, e o tirou. O procedimento era para agilizar o processo. Só que o que Maria viu, foi seu sangue nas mãos da médica e uma dilatação quase completa diminuir gradualmente enquanto o colo do útero inchava por um edema.

“Minha filha nunca iria sair por ali. Por volta das 19h, eu acho, me levaram de cadeira de rodas até a sala de cirurgia. Teria que ser cesárea. Tinha sangue por todo o meu corpo e eu sentia muita dor. Quando cheguei lá disseram que a sala estava vaga desde às 17h! A própria médica chamou a atenção da equipe de enfermagem pedindo o porquê não me levaram antes. E ali, quando pensei que enfim ficaria tudo bem, me sentia mais invadida. Perguntavam se doía e riam de mim. Quando foram me dar a injeção eu disse ter medo de ficar paralítica, e ouvi de volta: ‘Com esse pensamento não vou fazer! Vai na dura sorte!’. Eu sentia que estava indo”.

O indo era a sensação de não sair da cama de cirurgia viva. Mas os últimos resquícios de força, a criança nasceu. E Maria sobreviveu. Deixando para trás uma história de violência obstétrica que até hoje é tratada em terapia.

Violência Obstétrica
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), constitui-se violência obstétrica qualquer abuso (físico ou emocional), maltrato, negligência e desrespeito durante o parto, tornando-se uma violação aos direitos humanos fundamentais das mulheres, como descrevem as normas e princípios de direitos humanos adotados internacionalmente.

No Brasil, além do alto índice de partos tipo cesariana, cresce a visibilidade sobre relatos de mulheres, como Maria, que dão conta de situações se desconforto, inconformidade ou mesmo de agressão durante o atendimento em instituições de saúde.

De acordo com a presidente da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (Abenfo) do Rio Grande do Sul, Vrginia Leismann Moretto, que também é professora da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante da Câmara Técnica Saúde da Mulher do Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul (Coren-RS), é urgente a necessidade de se trabalhar o assunto para informar às mulheres sobre os impactos da violência e para ter equipes capazes de atender as pacientes sem que haja a agressão.

Ela ressalta os severos impactos que uma violência obstétrica pode ter na ordem física e também psicológica da mulher. A recomendação, de acordo com a especialista, é a denúncia. “Mesmo que a violência tenha acontecido anos atrás, é importante que a mulher, a partir do momento que se deu conta que sofreu uma violência obstétrica, denuncie ao Ministério Público, ou busque o 180 que atende a violência contra a mulher. Hoje a gente carece um pouco de dados sobre o assunto, então essas denúncias ajudam a contabilizarmos e ver a real situação do nosso estado”, explica.

No Rio Grande do Sul, o Coren-RS tem atuado em campanhas sobre o parto humanizado para sensibilizar a categoria da importância de respeitar a mulher no contexto do parto. Como a enfermagem é uma categoria majoritariamente feminina, a entidade sente que ela pode fazer a diferença neste atendimento.

A última atividade nesse sentido foi realizada no mês de março, com uma campanha chamada “Parto com respeito – você pode fazer a diferença na vida de outra mulher”. A entidade também diz estar aberta na defesa do parto humanizado e oferece o canal de ouvidoria para denúncias de abusos.

DENUNCIE
Mulheres que sentem ter sido vítimas de violência obstétrica podem denunciar exigindo cópia do prontuário junto à instituição que foi atendida. Esta documentação pertence à paciente e é um direito.
Procure a Defensoria Pública – independente de usar serviço público ou privado.
Ligue  para 180 (violência contra a mulher) ou 136 (Disque Saúde).

 

Fonte: diariodamanha.com

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