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Arthur Lira expulsou camponeses de terras que não declarou

Presidente da Câmara promoveu em agosto de 2023 despejo contra casal de agricultores que vivia há duas décadas dentro do Engenho Proteção, em Quipapá (PE); dossiê identificou 3,8 mil hectares registrados por Arthur e seu pai; parte dos imóveis não foi declarada à Justiça Eleitoral

Por Carolina Bataier e Bruno Stankevicius Bassi

Arthur César Pereira de Lira é um latifundiário. Junto ao pai, o ex-senador Benedito de Lira, o Biu, o presidente da Câmara é dono de 3.872,46 hectares, espalhados por cinco municípios de Alagoas e dois de Pernambuco. A maioria desses municípios fica na região Agreste, berço da família materna de Arthur, os Pereira, que investe em genética bovina e na criação de gado para corte.

Dossiê revela a dimensão do império agropecuário dos clãs Lira e Pereira.

Além das fazendas, o deputado acumula um longo histórico de conflitos agrários contra posseiros e ex-trabalhadores de usinas. É o que revela o dossiê “Arthur, o fazendeiro“, publicado dia 13/11 pelo De Olho nos Ruralistas.

A partir do cruzamento entre as bases de dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), os registros de imóveis rurais listados em processos de espólio disponíveis no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) e as prestações de contas eleitorais ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o observatório identificou 20.039,51 hectares registrados em nome de empresas ou de membros dos clãs Lira e Pereira.

Entre as terras mapeadas no dossiê, destacam-se quatro imóveis no pequeno município de Quipapá (PE), localizado a 180 quilômetros de Recife. Ali, De Olho nos Ruralistas teve acesso a uma ação de reintegração de posse movida em 2022 pelo presidente da Câmara contra um casal de agricultores. Eles ocupavam uma área de cinco hectares na fazenda conhecida como Engenho Proteção.

Em 25 de agosto de 2023, Cícero Paulo da Silva e sua esposa, Maria José de Oliveira Silva, a Zezé, foram obrigados a sair do sítio, localizado a pouco mais de um quilômetro da zona urbana de Quipapá. Lira solicitou auxílio policial para expulsar os camponeses.

Procurada pela reportagem, a agricultora relata os momentos de tensão vividos pela família antes do despejo:

— O oficial foi lá, conversou com a gente e disse: Dona Zezé, se prepare que daqui a 24 horas vai vir uma ordem de despejo. Quando a polícia chegou, a gente já tinha tirado todos os móveis.

O marido Cícero conta que a família está na propriedade desde a década de 1970. “Meus sete filhos foram quase todos criados lá”. O agricultor passou a viver definitivamente por ali em 2005, após a morte do seu pai, antigo morador do local.

Embora Lira tenha comprado as terras em novembro de 2008, a propriedade de 181,65 hectares nunca apareceu nas declarações de bens divulgadas pela Justiça Eleitoral.

Clique aqui para baixar o dossiê.

CASAL ABANDONOU SÍTIO ONDE VIVIA HÁ 20 ANOS

O Engenho Proteção fazia parte da Usina Água Branca, falida em meados dos anos 1990. Com o fim das atividades, alguns ex-funcionários receberam porções de terra em negociações pelos direitos trabalhistas. Foi o caso de Manoel Paulo da Silva, pai de Cícero e administrador da usina. Ele deixou para o filho um termo provisório de posse assinado em 2002 por José Raimundo Ribeiro da Paixão, identificado no documento como síndico da massa falida da usina.

Em 2021, Cícero deu início a um processo de regulamentação das terras por usucapião. “O termo [de posse] estava com a minha cunhada, daí faz dois anos que a gente botou na Justiça porque foi quando a gente conseguiu pegar o papel”, explica Zezé, sua esposa.

Casal de agricultores foi despejado por Lira em agosto. (Foto: JFPE)

O documento foi anexado ao processo, junto de contas de energia elétrica em nome de Cícero datadas de 2010, 2012 e 2015. O agricultor também apresentou um registro de carteira de trabalho de 1981, onde consta como seu endereço o Engenho Proteção.

A urgência pela regulamentação surgiu quando os agricultores passaram a receber visitas de funcionários de Arthur Lira. Eles diziam que aquelas terras tinham dono e, por isso, eles não deveriam plantar ali.

Ao redor da casa, o casal criava galinhas, quatro cabeças de gado e cultivava macaxeira, milho, feijão e frutas como coco, manga e, mais recentemente, caju. Zezé conta que a plantação era pouca, destinada somente ao consumo da família. “Não dava pra vender porque o pedacinho de terra que a gente usufruía é pequeno, só dava uma macaxeirinha pra comer”.

Cícero somava o dinheiro da aposentadoria como agricultor aos frutos da colheita para garantir o sustento da família. “Tem pé de laranja-cravo, coco, pé de caju que eu plantei essa semana”, contou ele à reportagem, uma semana após o despejo. “Parece que eu tava adivinhando”.

Agora eles terão de pagar R$ 300 mensais de aluguel na casa encontrada às pressas na cidade, enquanto aguardam as próximas decisões judiciais.

O advogado Rui Albuquerque, representante legal de Cícero, tenta provar que ao menos a casa de alvenaria não pertence às terras que Lira alega serem dele: “Vamos tentar a manutenção da posse da casa. (Com) eles na casa, a gente vai brigar pela terra”.

Trecho de ofício em que Arthur Lira solicita auxílio policial para expulsar camponeses. (Imagem: JFPE)

ARTHUR E BIU MULTIPLICARAM FORTUNA COM TERRAS DE USINAS FALIDAS

Foto da sede do Engenho Proteção, em Quipapá, postada por Alvinho, filho de Arthur. (Foto: Instagram/Álvaro Lira)

A expansão territorial de Arthur e Biu de Lira teve início a partir dos anos 1990, com a crise do setor canavieiro no Nordeste. Pautado em uma agenda neoliberal e de desestatização, o governo de Fernando Collor (1990-1992) promoveu mudanças radicais nas políticas de incentivo à produção sucroenergética. No mesmo ano em que tomou posse, o presidente extinguiu o Instituto do Açúcar e do Álcool e pôs fim ao tabelamento de preços. Defasadas em relação ao mercado internacional e endividadas, dezenas de usinas foram à bancarrota. Milhares de trabalhadores foram demitidos sem receber os direitos trabalhistas.

O vazio deixado pelas usinas foi uma oportunidade perfeita para fazendeiros da região, que adquiriram dezenas de imóveis a preço de banana. Foi essa a origem de alguns dos imóveis adquiridos pelas famílias Lira e Pereira. Em Campo Alegre, por exemplo, Arthur arrendou uma área de 427 hectares da Usina Porto Rico. Em 2017, ele e o pai foram alvo de um processo de despejo por não pagar parte do arrendamento.

Ainda em operação, a usina foi denunciada em setembro de 2022 por coagir funcionários a votar em Jair Bolsonaro. Quem declarasse voto em Lula era ameaçado de demissão. O local também recebeu um evento de campanha de Arthur Lira, que falou aos trabalhadores sobre suas propostas para a região.

A Industrial Porto Rico pertence a Carlos José Monteiro, pai do vice-prefeito de Campo Alegre, Leonardo Monteiro, um dos municípios comandados pelo clã Pereira. O prefeito, Nicolas Teixeira Tavares Pereira, o Colinha (PP), é primo e colega de partido de Arthur Lira. Ele assumiu o município sucedendo outra prima, a onipresente Pauline Pereira, que administrou Campo Alegre por dois mandatos, entre 2013 e 2020.

Pauline e seus irmãos serão tema de outras reportagens da série, publicada em parceria com o site ICL Notícias. Entre os temas que perpassam o histórico político e fundiário da família, estão a sobreposição de fazendas em terra indígena, o uso da máquina pública para favorecer os negócios do clã e o controle de consórcios intermunicipais como arma para enfraquecer o governo estadual, nas mãos do rival Renan Calheiros (MDB).

SEM FUTEBOL NO CAMPINHO DA FAZENDA

No processo de reintegração de posse contra o casal de agricultores, Arthur Lira apresentou como prova um contrato de compra da propriedade, adquirida em novembro de 2008 dos herdeiros de Gil José Martins, um falecido empresário do ramo metalúrgico. Martins morava em Recife e teria comprado as terras após a falência da Água Branca. Na época da negociação, o deputado —com pouco mais de 30 anos — teria pago à vista R$ 350 mil.

Em 2017, Lira moveu outra ação de reintegração de posse em Quipapá, desta vez contra José Marcelo da Silva, também posseiro de uma porção de terra no Engenho Proteção. O caso foi relatado em 2022 pelo jornal Folha de S. Paulo.

Estado atual da antiga Usina Água Branca, em Quipapá. (Imagem: Acervo)

Marcelo alega que tinha a posse mansa e pacífica do imóvel há mais de 14 anos, sem nunca ter sido perturbado. As informações constam do processo. Segundo ele, diversas áreas de plantio foram destruídas por funcionários de Arthur Lira.

Em resposta, o advogado de Lira argumenta que Marcelo vivia às margens da propriedade do seu cliente e que “são vizinhos indesejáveis que invadiram a terra do autor para tentar extorquir dinheiro”.

O deputado não compareceu ao julgamento, nem enviou representantes. Por isso, o réu conseguiu permanecer na terra.

Em 2014, as terras do Engenho Proteção foram submetidas a análise pelo Incra, então chefiado por Lenilda Lima, indicada à superintendência pelo PT. À época, Biu de Lira era próximo do partido da presidente Dilma Rousseff e compunha a base do governo no Senado. “Após analisar parecer técnico de Avaliação de Impactos Ambientais, elaborado por equipe técnica da autarquia, optou-se por desistir da ação [de desapropriação]”, afirmava a nota técnica.

Arthur Lira não costuma aparecer no Engenho Proteção, exceto por visitas esporádicas registradas por seu filho, Alvinho, no Instagram. O deputado mantém alguns funcionários, que vivem na fazenda.

Localizada a 180 quilômetros de Recife, Quipapá tem 18 mil habitantes. Nos anos 2000, o município chegou a ter mais de 20 mil pessoas, mas viu sua economia estagnar em decorrência da falência da Usina Água Branca. Em seu auge, ela chegou a empregar 1.500 trabalhadores.

Em um grupo no Facebook dedicado às memórias da usina, moradores do município trocam fotos e lembranças do tempo dos engenhos. Questionados sobre a presença de Arthur Lira naquelas terras, dois participantes mais ativos disseram nunca ter ouvido nada a respeito. “Eu fiquei sabendo porque um amigo meu faz um trabalho social numa escolinha e foi conversar com ele para fazer algumas atividades no campo de Proteção”, conta um ex-morador de Quipapá. “Na época, era o único campinho da cidade que possuía grama”.

Lira não permitiu que as crianças usassem o campinho.

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| Carolina Bataier é jornalista e escritora. |
| Bruno Stankevicius Bassi é repórter e coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. |
Fonte: De olho nos Ruralistas

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